domingo, 29 de março de 2009
segunda-feira, 23 de março de 2009
Um olhar mais demorado
"O tríptico (três painéis) de Hieronymus Bosch, O Jardim das Delícias Terrenas, descreve a história do Mundo a partir da criação, apresentando o paraíso terrestre e o Inferno nas asas laterais. Ao centro aparece, curiosamente, um Bosch que celebra os prazeres da carne, com participantes desinibidos, sem sentimento de culpa. A obra expõe ainda símbolos e atividades sexuais com vividez. Especula-se sobre seus financiadores, que poderiam ser adeptos do amor livre, já que parece improvável que alguma igreja tradicional a tenha encomendado.
Ligada à "utopia" por um lado, mas representando o lugar da vida humana por outro, Bosch revela uma atualidade do seu tempo, dado que essa vida está entre o paraíso e o inferno como se conta no Génesis. O tríptico, quando fechado, tem uma citação transcrita desse livro "Ele mesmo ordenou e tudo foi criado". Entre o bem e o mal está o pecado, preposição cristã. No jardim, painel central, representações da luxúria, mensagem de fragilidade nas envolvências do vidro e das flores, reflectem um caráter efêmero da vida, passagem etérea do gozo, do prazer.
Enquanto "utopia", porque transcreve de modo imaginário na imagem um "real", que mais se aproxima do surreal, e representa, mesmo que toda a sociedade e a cultura Ocidental esteja marcada por essa estrutura, uma história “utópica” do seu tempo. Entre um “bem” e um “mal” está a vida e o pecado, de certo foi aplicado, mas no início seria apenas uma projeção."
Quadro: O Jardim das Delícias terrenas - Hieronymus Bosch (1504)
Óleo em madeira (220 x 195 cm)
Local: Museu do Prado, Madrid, Espanha
...
quarta-feira, 18 de março de 2009
Escrevo sim!
Em A República, texto escrito no século 4 a.c., Platão botou os poetas para fora de seu ideal de Estado, por considerá-los preocupados demais com a forma e pouco com o conteúdo. É de admirar tamanha contradição de um pensador que versou tanto sobre o “belo em si”, mas queria um Estado pleno de diretos e ordem.
Ordem! Essa é a palavra que não cabe no ofício dos meros artesãos de palavras.
Não ilustre pensador! Somos capazes de reunir beleza e responsabilidade, ou pelo menos alguns de nós, para alguns de nós.
Qual o papel do escritor inserido na sociedade?
Clarice Lispector, quando cobrada pela suposta alienação de seus textos, respondia que não discutia a miséria no Brasil – esta era (e ainda é) óbvia demais, e “sobre o óbvio eu não sei escrever”. Em seu tempo, Clarice nadava contra a corrente e contras as correntes...
Arredia, misteriosa, solitária, que fugia das pessoas e evitava o mundo; Lispector incorporou uma vida secreta como métodos para escrever e viver, fugindo justamente da República inatingível e imaginária de Platão.
Hoje, quem há de negar sua brilhante obra, engajada ou não, porém perturbadora? O simples ato de escrever já é uma atitude política, transformadora, capaz de expandir o universo.
Eu, uma simples mortal, com Lispector no imaginário, também não sucumbirei à era infinita da alienação! Escrevo sem militância, sem globalização ou ideologias vendidas em livros ruins. Escrevo para leitores que me escolhem, os quais aceitarão minhas apologias, meus devaneios e nada me dirão em troca. A troca é subliminar, invisível, irreal, amórfica, atemporal. É transformadora a partir do silêncio que toca as almas.
Abaixo ao submundo das análises acadêmicas!!!!
Assim como Clarice, não verso sobre o óbvio, flutuo na incerteza das palavras, no sopro do objeto sobre o qual pretendo falar, na minha solidão e nas criaturas que povoam meus sonhos.
By Anita Floyder
Na foto: Clarice Lispector
...
sábado, 14 de março de 2009
De risco a traço
regadas a mentiras e ilusões
agora sangram e inebriam-se
diante das verdades escondidas
O fantasma da realidade murcha a flor
os antigos guardiões do jardim não sabem mais cultivar
a flor crescida
Vermelha tuas lágrimas,
azuis teus sonhos
-Eu quero ser a flor colorida (por instantes sou)
aquela imponente para meus olhos
No entanto, a noite me fala da ironia
que mesmo na luz do dia escura serei
Na noite a vejo, Oh! flor do ébano!
estendo meu braço a colher-te
Porém, de tanta tinta negra nos olhos e coração
não vês que as águas de março
limpam as feridas do verão
Não há o impossível para as coisas flor minha!
Deixa a luz dos olhos das flores pequeninas do teu jardim
iluminar tuas pétalas mais claras...
...
Foto: Lótus negra
...
domingo, 8 de março de 2009
A mulher e a expressão do ser
Em busca de uma artista para homenagear o dia da mulher, heis que surge essa extraodinária surpresa.
Que agrado do destino!
As imparidades de sua trajetória se refletem num olhar apurado sobre o que de insondável há na alma feminina por uma tangente de sensualidade. Mesmo antes de sua primeira exposição, em 1975, a fotógrafa francesa Irina Ionesco já havia despertado o interesse de um grupo particular de artistas; mas seu êxito – paradoxal - e aclamação viriam de seu maior escândalo; a exposição Eloge de Ma Fille entraria na galeria Nikon de Paris e era esse mesmo olhar fetichista agora voltado para ela, Eva Ionesco... dos 5 aos 10 anos, em ensaios eróticos. Segundo Irina, a proposta que originou a série de fotografias surgiu da própria Eva; eram sem dúvidas anos muito diferentes dos nossos, de uma busca e aceitação da liberdade sexual, ou ainda da liberdade dos corpos.
Como mulher e artista, fruto de sua época, não pareceu estranho à francesa que Eva também pudesse ser alvo de fotografias simbolistas e que fosse focada exatamente como as outras mulheres, adultas, alvos das lentes de Irina.
As datas divergem - uns falam em 4 a 11 anos, outros de 5 a 10 anos de idade; ficamos aqui com a segunda possibilidade por ser a mais encontrada nas fontes – mas, sistematicamente, ano após ano, a fotógrafa utilizou sua filha como modelo em fotografias branco & preto de extremo apuro e ousadia. Ousadia até maior que a encontrada nas demais imagens obsessivas produzidas por Ionesco, muito maior. Eva aparece em nus, mas o efeito aterrador é o mesmo se ela é capturada vestida, como isso? É intrigante.
Assim a menina Eva surge como criança-mulher nos mesmos ares sombrios, ornada com dezenas de jóias ou bijuterias ordinárias, artefatos que falam deste mundo particular onde convivem delírio, morte, sensualidade e paixão. Seria quase uma entidade, um totem, um mito... Mas Eva era e é real: o choque é inevitável.
Comunidade artística e opinião pública se puseram maciçamente contra Irina; a primeira – que já classificava seu trabalho como um desfile de maus gostos – considerou a coleção como o ápice dos absurdos, aquilo simplesmente não era arte. Já o público, numa oposição já esperada e recorrente, a execrou alegando uma falta explícita de moralidade.
Nada disso, logicamente, impediria Eloge de ma fille de entrar para a história da fotografia e do erotismo.
Mesmo hoje, em que vivemos tempos de tão intenso tráfego de material de pedofilia, tempos que talvez nos turve a visão para certos aspectos fascinantes do bizarro ou do cruel, as fotografias que Irina Ionesco fez de sua filha permanecem inadvertidamente cheias do mesmo conceito, da mesma busca pela natureza do ser mulher vista através dos anos que passam para Eva e a revelam tão ou mais terrível (e uso terrível no sentido de espantoso) que a Lolita de Nobokov.
Resta a nós interpretações, choques, absolvições ou engrandecimentos à obra prima de Irina Ionesco.
...
quinta-feira, 5 de março de 2009
looking for my landscape
Lá, um mar de rosas murchas
deixam pétalas mortas pelo chão
pisados passados, presentes torturados
lá onde não pertenço
onde não me reconheço
lá onde mora o burocrata travestido de educador humanizado, carrasco de si mesmo
não anda, não canta
É lá onde não me vejo
busco contraditório desejo
tão social quanto documento
Eu, indiferente
agora vejo: lá não há de ser a fonte dos meus anseios
Há de ser uma dolorosa e passageira vontade de ser o que não desejo
sigo...
e quando bem longe de lá estiver
hei de respirar contentamento
By Anita Floyder
Quadro:"Landscape" Anita Floyder (2009)
...